O mal se paga com o bem

Esse carnaval eu passei, pela segunda vez, no Sítio do Bosco, um ótimo lugar no alto da serra em Tianguá, no Ceará, perfeito pra quem quer fugir do Créu, Xoxó, Eguinha Pocotó e merdas afins. Não bastasse encontrar de novo o mesmo lugar do ano passado, perfeitamente bem zelado como se eu tivesse ido ontem lá, este ano um cara que lá trabalha de nome Rafael chamou a atenção.

E além de se mostrar um sujeito atencioso, amistoso, esforçado e discreto, num dia em que estávamos já entrando na madrugada em meio a um papo descontraído e uma cervejinha (exceto pra mim xD), nós o convidamos para sentar conosco e tomar umas, e ele aproveitou a ocasião para se revelar também um ótimo poeta.

Eu transcrevo aqui o texto "O mal se paga com o bem", de autoria dele. Eu não pedi diretamente a permissão dele para fazê-lo, mas como ele já divulgou no Youtube e, bem, é um cara legal ^^ (e além disso estou creditando a autoria), imagino que ele não se importe.

UPDATE - 14/04/2010: De acordo com o leitor Silva Neto, que comentou este post, o poema é na verdade de autoria de o poeta paraibano Zé Laurentino - o que pode-se comprovar com uma pesquisa no Google. O poema é registrado e inclusive o autor tem uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Os links no comentário dele têm mais informações.

Quanto ao Rafael, agora estou em dúvida se realmente ouvi dele que ele era o autor, faz muito tempo e eu posso estar enganado: o que tenho certeza é que ele declamou ali pra gente a poesia, de cabeça, numa rodinha de conversa. Pode ele ter dito que era o autor, pode ter sido eu que entendi isso errado. A verdade é que eu não lembro mais...

Enfim, corrigindo a informação então, segue o poema com a autoria agora corretamente creditada.

Causos Nordestinos - O mal se paga com o bem
por Zé Laurentino
declamado por Rafael de Tianguá



Eu tinha necessidade
de ir inté a cidade
comprar umas bestera
Café, açúcar, balaio e um resto de piguaio
porque pobre não faz feira.

Quando eu fui foi num jumento
quando voltei, foi a pé
Lá de casa pra cidade
de légua são umas dez.

Na volta quando eu tava descansando
na sombra de uma ingazeira
escutei o roncar dum carro
no topete da ladeira

Eu pensei com meu botão:
eu acho que vou dar com a mão.
Se o dono for amiguinho,
Quem sabe ele vai me levar
e inté vai encurtar
a metade do caminho...

Era um carro de alto preço
por obra do satanás
desses que eu nem sei direito
adonde é a frente ou atrás...
Eu perguntei "dotô,
o senhor me leva até meu rancho
a mim fazendo um favor?
Eu ficava satisfeito
e inté pagava o senhor."

Ele respondeu "não posso
desse jeito mesmo assim.
Você leva muito troço
e a estrada tá ruim.
E além disso eu vou com a minha mulher:
vá mesmo amassando o barro
que afinal não comprei carro
pra carregar esmolé."

Deu um cutucão no carro
que quase pegou em mim
os pneu queimaro o barro
e eu fiquei dizendo assim:
Tá certo, dotô
o senhor não faz favor
me deixou aqui parado
mais parecendo um monge...
Mas se alembre dum ditado
que o povo tem falado
"Devagar se vai ao longe"!

Saí do pé da ingazeira
emburaquei no caminho
parando aqui e aculá
devagar, devagarinho
Cansado, com os pé estrupiado
e o sol quente feito brasa
Passei no campo redondo
quando o sol tava se pondo
eu tava chegando em casa.

Lá em casa adonde eu moro
no olho d'agua dos macaco, adonde tem uns buraco
eu vi um carro parado
com o capô alevantado
um home e uma mulher.
Eu pensei "primeiro eu vou terminar de chegar
e vou ver o que eles quer"...

Depois de tomar um banho
de encher a barriga
eu me deitei numa rede
pro mó de tirá a fadiga
e acendi o meu cigarro.
Depois eu falei prum irmão
Agora eu vou ver o que se deu
com o dono daquele carro.

Mas quando ele olhou pra mim
ele falou "amiguinho
eu me arrependi quando lhe deixei
na metade do caminho"
"Dotô, isso não tem importância
afinal já venci a distância.
E se o senhor não for partir,
vá lá pra casa jantar, tomar café e dormir".

Ele ficou satisfeito, que a noite tava chuvosa
e ele teve que ir lá pra casa com aquela mulher orgulhosa
Mandei servir a coalhada, o cuzcuz e a canjica
mandei trazer as redes e as cobertas também.
Só pro mó de mostrar pra ele
que o mal se paga com o bem.

Mas ler transcrito não é tão legal como ouvir o próprio Rafael contando.

5 comentários:

Silva disse...
11 de abril de 2010 às 08:24

Este poema é de Zélaurentino?

Samuel disse...
11 de abril de 2010 às 20:17

É não, é do Rafael de Tianguá - ao menos foi isso que ele me disse pessoalmente.

Silva Neto disse...
12 de abril de 2010 às 16:16

Zé Laurentino é meu avô, meu caro.
Esse poema é de autoria e registrado como obra dele.
Já que gostou dessa poesia DELE, acho que gostará de outras
Segue os links em anexo:
http://www.overmundo.com.br/banco/o-mal-se-paga-com-o-bem

http://rangeljunior.blogspot.com/2010/01/ze-laurentino.html

http://www.bagaco.com.br/produtos_descricao.asp?lang=pt_BR&codigo_produto=759

Samuel disse...
14 de abril de 2010 às 12:20

De fato é verdade... todo canto que eu pesquiso afirma a autoria como sendo do seu avô.

Eu acreditei quando o Rafael disse, já que ele declamou de cabeça ali... Ou talvéz até eu tenha entendido errado e ele nunca disse que era dele. Minha memória não ajuda.

Bom, vou fazer uma ressalva no post pra corrigir a informação. =)

Sr. Oliveira disse...
18 de setembro de 2010 às 09:13

Procura no youtube a versão do Onildo Barbosa, é muito boa a interpretação dele.

Abraço.